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PLANO TERRITORIALIZADO PARA GESTÃO DE RECURSOS HIDRICOS
(AGUAS DO CARAPITANGA)
O processo de governança participativa na gestão dos corpos hídricos de uma bacia hidrográfica envolve diversas etapas, incluindo diagnóstico, cartografia social, pactuação e planejamento. Esse processo integra associações de moradores e produtores, o poder público em suas diversas instâncias, a concessionária de águas e esgoto, e os pesquisadores do OTSS. Juntos, eles analisam a situação dos corpos d'água, identificando soluções para o uso racional dos recursos hídricos, a recuperação da mata ciliar, e a prevenção e/ou mitigação de desastres. Essas ações impactam positivamente a bacia hidrográfica e seus valores de uso, promovendo a sustentabilidade e a resiliência ambiental.
PROBLEMA SOLUCIONADO
Entre 2013 e 2015, a região sudeste do Brasil enfrentou a maior seca do período histórico. Embora o impacto tenha sido mais intenso nas grandes regiões metropolitanas e áreas urbanas dos municípios, o evento também teve efeitos drásticos em áreas agrícolas e peri-urbanas, afetando significativamente as comunidades tradicionais situadas na área de ação do OTSS.
O rio Carapitanga é a principal referência hídrica para quatorze comunidades caiçaras, peri-urbanas, rurais, indígenas (duas) e quilombolas (uma), totalizando cerca de 3.000 habitantes. Seu papel na reprodução do modo de vida tradicional é central, fornecendo água para consumo humano e doméstico, além de sustentar a fauna e flora dessa região da Bocaina. Durante o período mais crítico da seca, moradores do Quilombo do Campinho e de outras comunidades situadas na bacia do rio Carapitanga enfrentaram, pela primeira vez, estresse hídrico, com diminuição da vazão das nascentes e falta de água intermitente nas residências. Segundo relatos dos moradores, cujas comunidades estão na região há mais de três séculos, essa situação nunca havia sido vista antes.
Esse contexto levou pesquisadores do OTSS, da UFRJ, da UFF, juntamente com as associações e moradores das comunidades tradicionais e peri-urbanas, a questionar e buscar soluções para tentar equalizar a situação. A colaboração entre essas entidades visou encontrar estratégias para mitigar os efeitos da seca e garantir a sustentabilidade hídrica das comunidades afetadas.
SOLUÇÃO ADOTADA
Foram implementadas metodologias e tecnologias de planejamento estratégico, mapeamento participativo, georreferenciamento, divulgação da geoinformação (mapa online de acesso público) e monitoramento das ações definidas e seus resultados. Realizou-se um inventário dos bairros e/ou localidades a partir de sua posição geográfica e das características físicas da paisagem, dividindo a bacia em três trechos: Alto, Médio e Baixo Carapitanga. As comunidades foram organizadas em oficinas de mapeamento conforme sua localização em cada um dos três trechos previamente definidos, permitindo que comunidades próximas realizassem o mapeamento em conjunto.
Foram definidos os elementos a serem pesquisados e a simbologia a ser utilizada, delimitando a temática das oficinas. A mobilização das comunidades foi realizada através da articulação do FCT com associações de moradores e lideranças comunitárias, garantindo ampla representatividade popular durante a atividade. Todas as localidades previamente identificadas estavam representadas. Nas oficinas, cada elemento proposto foi debatido e localizado no território utilizando imagens de satélite do Google Earth. Um ponto foi adicionado para cada ocorrência registrada. Além da informação espacial, foram levantadas questões sobre as características de cada ponto da legenda, recolhendo uma série de dados e informações. Por exemplo, para cada local de captação de água apontado, foram levantados dados sobre a situação da captação, responsáveis, disputas pelo local, comunidades e número de pessoas abastecidas, entre outros.
Para cada trecho (Alto, Médio e Baixo Carapitanga), foram mapeados pontos de captação de água para abastecimento residencial e comercial, conflitos pelo uso da água, trechos onde o rio recebe cargas de esgoto, áreas com ocupação e expansão desordenada, pontos de inundação e deslizamentos, comunidades com baixo acesso ao abastecimento de água, assim como ações, iniciativas e projetos existentes que contribuem para a saúde do rio e de sua população ribeirinha.
Ao final das oficinas, os dados geoespaciais produzidos pelos três grupos foram reunidos em um arquivo único. Esses dados foram apresentados, debatidos, aprimorados, pactuados e validados em plenária. Em seguida, discutiu-se quais seriam as estratégias necessárias para implantar uma agenda de soluções e enfrentamento dos problemas mapeados.
Para a construção do Plano de Ações Integradas para a Gestão da Bacia do Carapitanga e para desenhar mecanismos de gestão desse plano, trabalhou-se em quatro grupos com os seguintes focos: mobilização e gestão, abastecimento de água, esgoto e monitoramento do rio e prevenção de desastres. Na plenária final, as estratégias e ações foram apresentadas, aprimoradas e pactuadas entre os representantes das comunidades, do poder público (Prefeitura, Unidades de Conservação, Funai, Incra e Ministério Público Federal) e das instituições parceiras. Esse processo resultou na elaboração do Plano de Ação e na identificação de uma agenda emergencial.
RESULTADO ALCANÇADO
No total, foram mapeados 173 pontos ao longo da bacia em nove legendas: Áreas de agricultura (14 pontos); Áreas de inundação (11); Áreas de realização de projeto ou ação (13); Áreas de regeneração/reflorestamento/agrofloresta (10); Áreas degradadas (5); Áreas turísticas (6); Captações de água (38); Conflitos pelo uso da água (8); Pontos de descarte de lixo (7); Equipamentos de projetos afins (2); Erosão de margens e encostas (3); Escolas (2); Locais com falta d'água (3); Pontos de lançamento de esgoto (12); Nascentes (11); Áreas de queimadas (2); Vetores de crescimento ou área de expansão (4); Outros (22). Como mencionado, as características de cada um destes pontos foram descritas em detalhe na oficina, e estes dados também foram tabulados e consolidados.
Os dados também foram publicados em mapas em formato digital para distribuição, sendo três com os pontos separados por trechos da bacia e um de síntese com o conjunto dos pontos e a área total. Também foi construído um arquivo digital em formato kmz que possibilita uma experiência interativa, onde o usuário pode navegar pelos pontos e acessar suas respectivas informações tabulares. Por fim, foi publicado na internet um mapa interativo online, que permite a consulta aos dados de diversas formas.
O resultado do trabalho foi reunido em um plano de ações, elaborado para colocar em prática medidas concretas para melhorar as águas do Carapitanga. Essas ações envolvem a mobilização das comunidades e dos órgãos públicos competentes, a implantação de tecnologias de saneamento residencial, o mapeamento das nascentes e dos pontos de captação de água, o monitoramento da qualidade das águas em diferentes pontos do rio, a instalação de estações capazes de medir o volume da chuva e das vazões dos rios e córregos, a ampliação das áreas de sistemas agroflorestais que produzam alimentos saudáveis, recuperem as matas ciliares e as funções hidrológicas das florestas, dentre outras ações e compromissos assumidos pelos participantes e suas instituições representativas.
Ao final, os participantes da oficina assinaram um manifesto público intitulado “Carta do Carapitanga”, que conclama todas as esferas dos governos e da sociedade para colocar em prática as ações que têm como meta fazer o Rio Carapitanga voltar a ser uma referência em oferta de água de qualidade e em um espaço de aprendizagem da cultura, saberes e práticas tradicionais para as presentes e futuras gerações, demonstrando a sustentabilidade do modo de vida tradicional e contribuindo para a equidade e a autonomia de suas comunidades.
Outro resultado importante foi a definição do espaço de governança e gestão estratégica do plano, para o monitoramento e avaliação permanente, objetivando a efetividade das estratégias. Pactuou-se que essa instância de governança e gestão estratégica do plano seria a Câmara Temática de Gestão das Águas do Conselho Gestor da APA Cairuçu, uma instância com temática similar às questões a serem enfrentadas, relacionadas à gestão do Carapitanga.